Nise da Silveira, o “Anjo Duro” da psiquiatria
Todo delírio tem um sentido,
cabe ao psiquiatra e ao psicólogo apura-lo.
(Nise da Silveira)
Nise da Silveira foi a profissional mais revolucionária, reformista e influente na história da psiquiatria do Brasil. Responsável pela criação do famoso Museu de Imagens do Inconsciente, em 1952, no Rio de Janeiro, desenvolveu terapias inovadoras que se mostraram muito eficazes no tratamento da esquizofrenia, combatendo as formas agressivas de tratamento da época, como a eletroconvulsoterapia, a insulinoterapia, a lobotomia e o confinamento. Sua metodologia de trabalho lançava mão do uso da produção artística e do envolvimento de animais na clínica.
Nise Nasceu em Maceió, há exatos 112 anos, e faleceu em 1999, no Rio de Janeiro. Notável desde cedo, entrou na faculdade de medicina aos 15 anos. Foi a única mulher entre os 158 alunos de sua turma e aos 21 já estava formada pela Faculdade de Medicina da Bahia.
Depois disso, foi residente no Hospício Nacional de Alienados, localizado no bairro da Urca, no Rio de Janeiro, onde teve contato com a obra de Sigmund Freud através de José Carneiro Ayrosa, um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro.
A surra que mudou a história da psiquiatria
Presa política durante o Estado Novo sob a acusação de comunismo, Nise foi parceira de cela de Olga Benário Prestes e conheceu Graciliano Ramos na prisão. Foi descrita no famoso livro do autor, "Memórias do Cárcere". Entretanto, as circunstâncias que fizeram dela uma prisioneira política são dignas de nota.
Em março de 1936 Nise foi delatada por uma enfermeira que trabalhava no mesmo Hospício. Acusada de comunismo, foi enviada à prisão. Entretanto, havia uma paciente chamada Luiza, francamente esquizofrênica, mas muito afeita à Nise, que ao saber da delação da enfermeira deu uma surra violenta na delatora.
Naquele tempo em que foi residente no Hospício Nacional de Alienados era comum conceber a esquizofrenia como uma doença que eliminava do doente qualquer capacidade afetiva ou intelectual, de maneira que, supunha-se, os loucos seriam pessoas incapazes de formação de laços.
Para Nise, aquela surra era mais uma prova de que os pacientes eram capazes de formar laços afetivos e tomarem decisões de acordo com seus sentimentos. Depois do evento, ela passou a se preocupar em descobrir como fazer para que pudessem acessar os seus sentimentos…
“Eu não queria uma relação médico-paciente, mas sim uma relação entre pessoas. Esse era o meu objetivo”.
A reintegração ao serviço público veio em 1944, quando ela foi trabalhar no Centro Psiquiátrico Pedro II (CPPII), do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Nise se negava a aplicar choque elétrico e insulínico nos pacientes, e por este tipo de insubordinação foi transferida para a Seção de Terapêutica Ocupacional do CPPII, em 1946.
Foi a partir do trabalho desenvolvido na Seção de Terapêutica Ocupacional do CPPII que Nise se aproximou de Carl Gustav Jung, antigo discípulo de Freud, com quem trocou correspondências e teve muitos encontros de estudo. Também foi por conta deste trabalho que seria fundado o Museu de Imagens do Inconsciente, cuja importância é reconhecida até os dias de hoje.
Emygdio da Barros, Capela Mayrink, nanquim com pincel sobre papel, s/d, 66,3 x 47,9 cm. T. 0990. Acervo do Museu de Imagens do Inconsciente.
– Esta obra foi desejada pelo Conde Francisco Matarazzo Sobrinho, de São Paulo. Segundo consta, o Conde tentou compra-la algumas vezes, mas Nise disse que não vendia “nem por ouro, nem prata, nem por sangue de Aragão”.
Nota: "Anjo Duro" foi o apelido que Nise ganhou do famoso psicanalista e grande amigo Helio Pellegrino.