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Cuidando dos médicos


Se eu fosse o seu médico ou o médico do seu filho, haveria algum motivo para você se preocupar em como eu estou me sentindo? Ou sobre como está a minha saúde interna, física ou emocional?


Talvez você devesse. Um crescente número de pesquisas mostra que o desgaste e a depressão do médico estão ligados a erros e a tipos de cuidados despersonalizados, que muitas vezes são menos eficazes e menos palatáveis.


“Foi demonstrado em alguns estudos que, se o médico estiver se exercitando, se cuidando, comendo bem, dormindo melhor, eles têm pacientes com melhores resultados clínicos” diz a Dra. Hilary McClafferty, pediatra e professora associada no departamento de medicina da Faculdade de Medicina da Universidade do Arizona, em Tucson. Mas o problema pode ser menos os hábitos de saúde do médico e mais o sistema médico que está ferindo a todos.


Existe uma conversa cada vez mais frequente sobre o "bem-estar do médico" nos dias de hoje enquanto analisamos a formação dos jovens médicos nos caminhos físicos, emocionais e espirituais destes que supostamente (e arduamente e extensivamente) treinam para cuidar dos outros. Os pesquisadores usam o inventário de Burnout de Maslach para medir o esgotamento emocional, a despersonalização, os sentimentos de competência e a realização bem-sucedida em seu trabalho; os médicos, enquanto grupo, vão muito bem quando se trata do sentido da realização pessoal, mas tendem a uma exaustão emocional e a uma sensação de despersonalização que pode criar uma atitude cínica e desumanizada em relação aos pacientes.


Em pediatria gostamos de pensar em nós mesmos como profissionais que mantém um clima relativamente acolhedor e atencioso, mas em instituições de ensino pediátrico, as taxas de burnout entre os residentes varia de 55% a 60% – isso depois de todas as tentativas de diminuir ou restringir a carga horária de trabalho. “Eu sei que sofri em silêncio a respeito dos erros médicos, da incerteza, e não diria que fazemos um bom trabalho de apoiarmo-nos uns aos outros”, disse a Dra. Janet Serwint, professora emérita de pediatria da Universidade Johns Hopkins, onde foi diretora do programa de residência pediátrica. Ela escreveu sobre uma experiência em residência em que uma criança morreu e que ela pensou ter sido por conta de erro que ela cometeu, mas não encontrou espaço para discutir a sua reação no dia-a-dia agitado.


“Não é que os médicos estejam em burnout e nem ligam, o fato é que eles se importam profundamente”, disse o Dr. David Schonfeld, pediatra de desenvolvimento comportamental no Children's Hospital de Los Angeles. “Você não pode ter fadiga de compaixão se você não tem compaixão”.


Demonstrou-se que membros de escolas de medicina têm taxas de burnout variando de 20% a 49%. E as reduções de horas de residência tão duramente conquistadas não parecem ter baixado satisfatoriamente o burnout e a depressão dos residentes; talvez porque geralmente os pacientes hospitalizados estão mais doentes do que os demais, talvez porque o número de pacientes é maior (se você reduz horas de trabalho, mas não aumenta o número de médicos… bem, é só fazer o cálculo), ou talvez por conta das crescentes frustrações e pressões de produtividade ligadas à documentação e ao registro eletrônico do trabalho, que podem tomar mais da metade do tempo de um médico, e que normalmente é feito às pressas à noite ou antes do turno de trabalho.


Outra estatística frequentemente citada em estudos sobre o bem-estar do médico é a taxa de suicídio. Os médicos têm aproximadamente o dobro do risco relativo de suicídio em comparação com pessoas de outras profissões, segundo a Dra. McClafferty. “As mulheres médicas, em especial, têm um risco significativamente maior de cometer suicídio do que grupos femininos de outras profissões” disse ela. Estima-se que 300 a 400 médicos cometam suicídio todos os anos.


Se isso estivesse acontecendo em uma outra profissão importante, disse a Dra. McClafferty, “…não consigo imaginar que as pessoas não estariam reunidas dizendo que isso é inaceitável, que tem que parar”.


Há uma conexão clara entre depressão dos médicos e os erros médicos. Em um estudo com residentes de pediatria, aqueles que estavam deprimidos cometeram seis vezes mais erros de prescrição de medicamentos do que aqueles que não estavam. Este e outros estudos também demonstraram que os residentes com burnout tinham maior chance de pensar que estavam cometendo mais erros, ainda que não estivessem.


Colocamos os médicos em situações em que eles estão detectando problemas frequentemente ligados às condições sociais ou de pobreza, disse o Dr. Schonfeld, porém não damos o apoio que eles precisam para tratar esses problemas. Não ensinamos adequadamente as habilidades em treinamento médico que os médicos precisarão para lidar com as realidades que os cuidados com os pacientes implicam. “Existem conjuntos de habilidades mais avançadas, como lidar com conflitos, com a negociação, com o sofrimento dos pacientes”, disse ele, “…o treinamento se concentra em medicamentos, fisiopatologia, genética, e não as habilidades necessárias para lidar com esses problemas mais amplos".


Então, podemos procurar mudanças nas formas como treinamos os residentes, não apenas limitando as horas de trabalho, mas também verificando mais de perto o conteúdo dessas horas de trabalho, assim como as habilidades que ensinamos e as coisas que fazemos, mas não discutimos.


“Por causa de estruturas organizacionais e responsabilidades concorrentes, sobra menos tempo e os médicos estão realmente em sofrimento por conta disso; e enquanto sociedade precisamos nos esforçar para mudar isso”, disse o Dr. Serwint.


Os estudos sobre intervenções no local de trabalho para enfrentar essas questões estão apenas começando, tais como pressão por tempo, o caos no local de trabalho e o senso de controle do médico, mas as evidências apoiam a ideia de que é mais eficaz fazer mudanças no nível da instituição em vez de apenas dizer aos médicos para resolverem a questão de seu bem-estar.


“A solução não é eliminar os que não se importam, mas apoiar o grande número de médicos que estiveram profundamente envolvidos e têm a capacidade de fornecer um cuidado de excelência, mas que perderam essa capacidade com o passar do tempo”, disse o Dr. Schonfeld. “Os médicos entram na faculdade de medicina profundamente comprometidos com a área, eles vêm com o desejo de serem empáticos e compassivos; bastaria que criássemos um sistema que nutrisse aquilo com o que chegaram, então teríamos menos desgaste e cuidados de melhor qualidade”.


O médico não deveria sentir-se culpabilizado: “se eu fosse mais atento, se eu praticasse mais, fizesse melhor ou mais consistentemente, tudo ficaria bem e não estaria exausto ou em burnout”, diz a Dra. McClafferty.


O fato de que quase a metade dos médicos e mais de 50% dos residentes sofrem burnout em algum momento “mostra que não é predominantemente um déficit individual, mas um problema organizacional e do sistema”, disse o Dr. Schonfeld.


“Se você fosse o meu médico,” diz a Dra. McClafferty, “eu gostaria que você estivesse em bom estado mental, físico e emocional, de modo que você fosse realmente capaz de ser bem-sucedido em me ajudar”.


*Artigo original da Dra. Perri Klass para o jornal The New York Times, publicado em 13 de novembro de 2017 e disponível em: <https://www.nytimes.com/2017/11/13/well/family/taking-care-of-the-physician.html>

Tradução de Francisco Marques Nogueira e Mario Campos

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