A importância de Pierre Janet para o pensamento freudiano
Pierre-Marie-Félix Janet foi psiquiatra, e é considerado um dos fundadores da psicologia moderna. Neste ano de 2017 completamos setenta anos de sua morte e, no dia de hoje, 30 de maio, 158 anos de seu nascimento. Pierre Janet foi um dos alunos mais famosos do grande mestre em psiquiatria, Jean-Martin-Charcot. Também foi professor de psicopatologia teórica de Carl Gustav Jung, no famoso hospital psiquiátrico de Salpêtrière.
Foi o criador da “análise psicológica”, que baseava-se em três regras: “exame do doente face a face e sem testemunhas, anotação rigorosa das palavras pronunciadas (ou método da caneta), exploração dos antecedentes e dos tratamentos aos quais o doente fora submetido”. Contudo, era um método de terapia dos conteúdos conscientes apenas, sendo incapaz de desenvolver uma escuta especializada do inconsciente.
Contribuiu com as primeiras elaborações teóricas acerca do fenômeno que viria a ser conceituado por Freud como “transferência”. Ao observar a relação que os pacientes de Charcot desenvolviam com ele, notou que essa relação que nutriam pelo hipnotizador era da ordem de uma “paixão magnética”. Mais tarde Freud a nomearia transferência e revelaria, assim, o elemento místico que sustenta a hipnose.
No campo teórico, Freud atribui o mérito a Janet no texto “As Neuropsicoses de Defesa”, de 1894, ao reconhecer a importância de sua contribuição na elaboração da teoria da “divisão da consciência”, feita a partir da observação de casos graves de histeria. Até 1915 Pierre Janet desfrutou de maior prestígio do que o pai da psicanálise, seus trabalhos eram “…comentados no mundo inteiro por todos os especialistas em doenças nervosas” (Roudinesco).
Entretanto, Janet e Freud tinham mais divergências do que convergências. Pierre Janet foi um dos maiores críticos à psicanálise, incentivador dos grupos mais raivosos contra Freud. Em 1913 acusou Freud e Breuer de plágio de seus trabalhos “O automatismo psicológico”, de 1889, e “O estado mental das histéricas”, de 1893. Entretanto, em seu texto de 1894, Freud não apenas credita a Janet a origem de algumas de suas ideias, como extrapola os conceitos originais e aponta inúmeros aspectos dos quais ele discordava. Segundo Freud, a divisão da consciência não era o fator primário neste tipo de fenômeno psíquico, mas sim as representações e a vontade do sujeito. Diz Freud: “…a divisão do conteúdo da consciência resulta de um ato voluntário do paciente; ou seja, é promovida por um esforço de vontade cujo motivo pode ser especificado. Com isso, é claro, não pretendo dizer que o paciente tencione provocar uma divisão da sua consciência. A intenção dele é outra, mas, em vez de alcançar seu objetivo, produz uma divisão da consciência” (Freud, 1894).
Peter Gay, um dos maiores biógrafos de Freud, atribui o rompimento de Freud com Janet a um comentário feito em 1913, no qual ele teria afirmado que a psicanálise só poderia ter nascido em meio à atmosfera sensual de Viena. Freud jamais o perdoou por esta injúria, que chegou a considerar antissemita. Roudinesco conta que em 1937 um amigo pede que Freud receba Janet, que nega o pedido em uma carta em que deixa claro as suas razões para não querer falar com ele. Sabe-se que mesmo assim Janet foi à casa de Freud naquele ano, mas que não foi recebido tampouco.
Mesmo com o desafeto de Freud por Pierre Janet, não podemos deixar de reconhecer a contribuição histórica do psicólogo francês para o desenvolvimento da Psicanálise. Seja porque Janet conceituou modelos primitivos do inconsciente, da transferência ou do fenômeno da divisão da consciência, seja porque foi um rival que esteve a altura de Freud por um bom tempo, estimulando novas pesquisas e novas teorizações para o desenvolvimento da ciência psicanalítica.